Transação Tributária – Transação na cobrança da dívida ativa da União – características gerais da Port. PGFN n. 9.917/2020

Com base na Lei 13.988/2020 foram editadas, pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, algumas portarias trazendo as regras para a formalização das propostas de negociação (transação tributária) tanto por parte da Fazenda quanto por parte dos devedores.

Dentre elas, está a Portaria n. 9.917/2020, que “disciplina os procedimentos, os requisitos e as condições necessárias à realização da transação na cobrança da dívida ativa da União, cuja inscrição e administração incumbam à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional”, regulamentando o Capítulo II daquela lei, que cuida da “transação na cobrança de créditos da União e de suas Autarquias e Fundações Públicas”.

Vejamos as suas principais características.

  • Princípios e Objetivos

Inicialmente, a norma se preocupa em apresentar os princípios e objetivos da transação na cobrança da dívida ativa da União, relacionando-os em seus arts. 2º e 3º.

Dentre os princípios, estão os do estímulo à autorregularização e conformidade fiscal do contribuinte, da redução de litigiosidade, da menor onerosidade dos instrumentos de cobrança e do atendimento ao interesse público. Já entre os objetivos podemos destacar: viabilizar a superação da situação transitória de crise econômico-financeira do sujeito passivo, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora e do emprego dos trabalhadores, assegurar que a cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa seja realizada de forma a equilibrar os interesses da União e dos contribuintes e assegurar aos contribuintes em dificuldades financeiras nova chance para retomada do cumprimento voluntário das obrigações tributárias correntes.

  • Modalidades

De acordo com referida norma, são três as modalidades de transação disponíveis nessa espécie de negociação:

– por adesão a proposta da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;

– individual por proposta do devedor inscrito em Dívida Ativa da União ou;

– individual por proposta da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Cumpre enfatizar que, também de acordo com a portaria, a transação de débitos cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) será realizada exclusivamente por adesão à proposta da Procuradoria. Já para aqueles cuja somatória seja superior a tal limite, somente serão permitidas as modalidades de transação individuais, que poderão ser feitas nos termos do Capítulo IV da portaria.

A primeira espécie, por adesão, dependerá da edição de EDITAL por parte da Fazenda, no qual deverão constar todas as condições para a negociação, ao contrário das negociações individuais, que não dependerão de edital e já se encontram regulamentadas pela portaria.

  • Obrigações

A portaria também trata das obrigações do devedor quando de sua adesão a qualquer uma das modalidades de transação, dentre elas a de fornecer informações sobre bens, direitos, valores, transações e demais atos que permitam à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional conhecer sua situação econômica, e a de renunciar a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, sobre as quais se fundem ações judiciais ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação.

Destacam-se, ainda como obrigações, a de o devedor manter regularidade perante o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a de regularizar, no prazo de 90 (noventa) dias, os débitos que vierem a ser inscritos em dívida ativa ou que se tornarem exigíveis após a formalização do acordo de transação.

  • Exigências

Dentre as exigências para a formalização das transações, estão a possibilidade de envolver o pagamento de entrada mínima como condição à adesão, bem como as de manter eventuais garantias associadas aos débitos transacionados, quando a transação envolver parcelamento, moratória ou diferimento e de apresentar garantias reais ou fidejussórias.

  • Concessões

À título de concessões, a portaria vem destacar as seguintes:

I – oferecimento de descontos aos débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;

II – possibilidade de parcelamento;

III – possibilidade de diferimento ou moratória;

IV – flexibilização das regras para aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias;

V – flexibilização das regras para constrição ou alienação de bens;

VI – possibilidade de utilização de créditos líquidos e certos do contribuinte em desfavor da União, reconhecidos em decisão transitada em julgado, ou de precatórios federais próprios ou de terceiros, para fins de amortização ou liquidação de saldo devedor transacionado.

No que se refere aos descontos, a norma estabelece o patamar de 50% (cinquenta por cento) do valor total dos créditos a serem transacionados, sendo elevado para 70% no caso de transação que envolva pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte, instituições de ensino, Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil de que trata a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014.

Já o prazo de quitação dos créditos ficará limitado a 84 (oitenta e quatro) meses, exceto para os devedores que se enquadrem na qualificação acima, cujo prazo será de até 145 (cento e quarenta e cinco) meses. Deve-se observar, no entanto, que, quando a transação envolver débitos previdenciários, o prazo será sempre limitado a 60 (sessenta) meses.

  • Demais considerações

A norma também trata dos efeitos da transação – como, por exemplo, de que forma ocorrerá a suspensão da exigibilidade do crédito tributário envolvido na transação nas diversas hipóteses previstas -, bem como das situações em que é vedada a transação, tais como nas hipóteses de redução do montante principal do crédito, redução de multas de natureza penal, de créditos não inscritos em dívida ativa da União ou que conceda descontos a créditos relativos ao Simples Nacional, enquanto não editada Lei Complementar autorizativa ou ao FGTS.

Outro aspecto que deve ser ressaltado é que a transação deverá abranger todas as inscrições elegíveis do sujeito passivo, sendo vedada a adesão parcial, sendo permitido, no entanto, o sujeito passivo deixar de incluir uma ou mais inscrições no acordo, desde que garantidas, parceladas ou suspensas por decisão judicial. Na hipótese de transação individual, o sujeito passivo poderá deixar de incluir uma ou mais inscrições no acordo, caso demonstre que sua situação econômica impede o equacionamento de todo o passivo elegível.

  • Rescisão

A portaria também apresenta as hipóteses de rescisão, tais como a constatação de ato tendente ao esvaziamento patrimonial do devedor como forma de fraudar o cumprimento da transação, ainda que realizado anteriormente a sua celebração, a decretação de falência ou de extinção, pela liquidação, da pessoa jurídica transigente, a comprovação de prevaricação, de concussão ou de corrupção passiva na sua formação e a ocorrência de dolo, de fraude, de simulação ou de erro essencial quanto a pessoa ou quanto ao objeto do conflito, além de outras previstas na Lei de regência da transação ou no edital.

Dispõe, igualmente, sobre as formas de defesa – impugnação e recurso – e dos prazos anotados para sua apresentação, sendo ambos de 30 (trinta) dias da data da ciência pelo devedor, além dos efeitos da rescisão, tais como o afastamento dos benefícios concedidos e a cobrança integral das dívidas, deduzidos os valores pagos, bem como a possibilidade de retomada do curso da cobrança dos créditos, com execução das garantias prestadas além dos demais atos executórios do crédito, judiciais ou extrajudiciais.

  • Créditos líquidos e certos e precatórios

Finalmente, vem a portaria tratar das hipóteses de utilização de créditos líquidos e certos e de precatórios federais para amortização ou liquidação do saldo devedor transacionado, cuidando dos procedimentos que deverão ser adotados e dos documentos que deverão ser produzidos e fornecidos, dentre eles certidões, cópias de decisões e escrituras públicas de cessão etc.

Dispõe, ainda, sobre algumas exigências quanto ao aspecto da cessão dos créditos, que deverá ser em sua totalidade – “ainda que em valor superior aos débitos inscritos em dívida ativa da União, sendo vedada a aceitação de cessão parcial” – e que, havendo saldo, os valores poderão ser devolvidos ao devedor-cedente, desde que não existam outras inscrições ativas do devedor. Alternativamente, se as inscrições ativas estiverem parceladas, os valores poderão ser utilizados para amortização ou liquidação do saldo devedor.

Sobre a dinâmica de oferecimento dessas modalidades de pagamento iremos tratar em artigo específico.

  • Pedido de revisão quanto à capacidade de pagamento ou a eventuais impedimentos

Os últimos artigos da portaria vêm tratar das situações em que o sujeito passivo poderá apresentar pedido de revisão quanto à sua capacidade de pagamento ou em relação às situações impeditivas à celebração da transação.

Nesse aspecto, prescreve que, para fins de apresentação do pedido, o sujeito passivo terá acesso à metodologia de cálculo e às demais informações utilizadas para mensuração da sua capacidade de pagamento e que, se não estiver de acordo, poderá apresentar pedido de revisão no prazo de 15 (quinze) dias.

Conclui expondo que, na hipótese de julgamento procedente da manifestação de inconformidade e não sendo o caso de retificação de declarações, o sujeito passivo deverá formalizar proposta de transação individual, nos termos do art. 36 e seguintes daquela norma.

  • EDITAL N. 1/2019 

Considerando os termos da Portaria 9.917/2020 (que teve como antecedente a Portaria 11.956 de 27 de novembro de 2019 e que foi, por ela, revogada) foi publicado o EDITAL n. 1/2019, que “torna públicas propostas da Procuradoria-geral da Fazenda Nacional para adesão à transação na cobrança da Dívida Ativa da União”, além de três outros editais – sob os números 1, 2 e 3/2020 – objetivando a prorrogação do prazo de adesão, tendo estabelecido, este último, a data de 30/06/2020 (até as 21:00) como data limite.

O edital vem estabelecer, em cumprimento à portaria que lhe deu origem, de forma rigorosa todos os critérios aplicáveis a proposta de transação por adesão, especialmente quanto aos critérios para elegibilidade dos débitos para a firmação da negociação, às modalidades propostas para adesão, aos compromissos e obrigações do devedor, ao procedimento para adesão, a consolidação do acordo e aos pagamentos das parcelas, ao prazo e às hipóteses de rescisão.

  • Demais regras sobre as transações, dispostas na Portaria n. 9.917/2020

Em outros artigos, você vai encontrar os elementos específicos regulamentados em três capítulos da Portaria 9.917/2020:

    • dos parâmetros para aceitação da transação individual ou por adesão e da mensuração do grau de recuperabilidade das dívidas sujeitas à transação na recuperação da dívida ativa da União;
    • da transação por adesão à proposta da Procuradoria-geral da Fazenda Nacional (à que se refere o EDITAL n. 1/2019);
    • e da transação individual.

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Por Marcelo Vicente – Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, professor universitário e advogado especialista em administração do passivo fiscal; sócio da ECOJURIS – Educação Corporativa e Jurídica